domingo, fevereiro 12, 2006

garça

eram as mesmas ruas, os mesmos passos vazios no vazio das ideias. os mesmos percursos, invariavelmente perseguidos por uma ambiência sonora, um espectro de som. e entre o eco e a imagem, um ritmo. eram as mesmas ruas sujas, cheias de gente, fumo, gases putrefactos, fétidos, ideias podres. as mesmas angústias. era a mesma procura da ideia, e já tinham passado meses, mas a procura continuava, nas mesmas ruas, os mesmos passos, vazios até de angústias. foi aí que, numa esquina, se deparou com um trio barroco, interpretando um andamento lento de uma sonata a tre. e o nevoeiro descia, compassado, na pulsação dolente e imprecisa. e o mundo inteiro girava nesse compasso indeciso, e tudo era névoa, assim dizia o último poeta. e disse mais. que, se voltassem a interromper-lhe a sesta, ía haver um golpe de estado, daqueles que são possíveis em sítios com estado. e, assim, com a descida do nevoeiro, se condensava a grande ideia desesperadamente procurada. dias de nevoeiro são o que são, névoa, dúvida, mistério. invariavelmente, dias de nevoeiro, daqueles que já escassam, neste março de dois mil e seis.

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