Bolero Midas
Chamo-me
Midas, Bolero Midas, mas não transformo em ouro tudo o que toco porque sou
bastardo do antigo rei. Quando muito tudo o que toco fica em trampa. Ando pelas
ruas com o olhar vago e indefinido, tal qual as intenções. A minha intencionalidade
resume-se ao desejo de vir a possuir uma alma. Como se vê, contento-me com
pouco. Apesar de não transformar tudo o que toco em ouro tenho sempre a
sensação de que isso pode acontecer em qualquer momento, assim eu tivesse a
alma que procuro.
Por
vezes confundem-me com bolero, mas pouco percebo disso, ou mesmo nada, que é o
facto. Abundam em mim as persistências, abro dois e três buracos na parede com
a cabeça. Não desisto assim facilmente e foi por isso que me propuz entrar
nesta narrativa.
Se
pudesse voar era corvo para não ferir susceptibilidades e não passar
despercebido. A única coisa que me ficou foi a vontade de não ser ignorado,
poder cavar a minha tumba e receber um nome. Já existo assim mesmo, mas não sei
pegar numa pá.
Possuo
uma coleção bizarra de rolos de papel higiénico de várias nacionalidades. Por
vezes peço-os à cobrança pelo correio. É realmente espantoso como se torna
possível conhecer mundo pelo papel higiénico, talvez melhor que pelos selos,
uma vez que revela tendências mais intimas.
Imagino
o que seja voar, mas o meu lado humano esconde-se de tal façanha, que ele é
mais seguro ter os pés em terra, a não ser que seja corvo em ponto de chaminé.
Sou
mais um espectro desta atmosfera surrealista e não me surpreendo em raciocínio de
trincheira, mas aquela garrafa de bolso significa o regresso momentâneo ao
balcão do Sam. Por vezes tenho espírito de tatuagem marinheira num balde, mas
quando fumegam estrelas o seco solo da terra pronuncia meu nome em sussurro,
como se isso fosse possível! Sou, na realidade, um estudo. Um estudo das
diversas formas de encarar prismas de eloquência.
Fui
marinheiro, embora a liquidez dos meus pensamentos aquáticos tenha sido sempre
terrena de raiz. Com certos encantos geométricos pressinto-me possuidor de
alguns desígnios clássicos, apesar de isentos de máximos de consciência
possível. Ainda se ouviam risos aritméticos no vale já eu pedregulhava nas
margens deliciosas do rio.
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