terça-feira, fevereiro 14, 2006

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O Adamastor! Nome de processo de composição em tempo real, ad amas thor, adamas tinto, a damas techno, ad amas trónico, adamas tónico, adamastrôncio! Ele, que procura, arrastando-se e arrastando-as, as primeiras essências. Qual Sísifo diz: enquanto o pau vai e vem folgam as costas!

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

geada

domingo, fevereiro 12, 2006

ao almoço

ao almoço

pouco depois de entrar indicaram-lhes a mesa, entre grande confusão de pernas, gente, cadeiras, mais pernas movimentando-se, cotoveladas, pequenos encontrões. já não se lembrava de quem lhe indicara aquele restaurante, mas, fosse quem fosse, tinha-lhe dito para não levar crianças. passaram uns sujeitos com uns fardos de palha, para a cerveja e o whisky, disseram, e mais uns outros com umas panelas de lúpulo. De vez em quando corriam uns animais, coelhos, galinhas, bezerros, sempre perseguidos a alta velocidade por cozinheiros de facas e machados na mão. Vinham atrás uns tipos com uns alguidares, provavelmente para amparar o sangue. Foi aqui que começou a história do porco...

Alguém se lembrou de pedir rojões. De repente apareceu um porco a fugir por entre as mesas, com o cozinheiro de grande facalhão atrás. Zás! Espetou-lhe certeiro entre a quarta e a quinta costela, mas parece que devia ter sido entre a sexta e a quinta. Vai daí o porco não tombou redondo à primeira, fugiu cheio de sangue. O tipo do alguidar ía fazendo pontaria inutilmente... “Porra, vê lá se acertas no gajo!” O cozinheiro espetou outra vez. O reco tombou redondo e o tipo do alguidar foi aviando o povo que tinha pedido sarrabulho. De qualquer modo devia ser sarrabulho instantaneo, porque aquilo não dava tempo para grandes preparos. Penduraram o porco, de cabeça para baixo, por pouco tempo, porque alguém pediu a cabeça, e de repente já era dificil dizer em que posição estava.

A coisa ainda demorou, porque aviaram primeiro os clientes das febras e das costeletas, e depois os do pernil, e finalmente os dos rojões. Não se pense que isto foi um processo pacifico. Além de haver muita gente a reclamar, houve também quem se enojasse e se tenha vertido abundantemente pelas tripas superiores e inferiores. Andava sempre gente a correr de um lado para o outro com saquinhos de plástico, mas depressa apareceram com uns baldes porque não davam vazão. Havia também quem comesse desalmadamente, com as beiças escorridas de molho e baba, porque aquilo abria-lhes muito o apetite. Esta gente fazia questão de comer neste restaurante cuja especialidade eram os túbaros de qualquer quadrúpede desgraçado que ali aparecesse.

Manuel Guimarães

catarata e cartola

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Manuel Guimarães

garça

eram as mesmas ruas, os mesmos passos vazios no vazio das ideias. os mesmos percursos, invariavelmente perseguidos por uma ambiência sonora, um espectro de som. e entre o eco e a imagem, um ritmo. eram as mesmas ruas sujas, cheias de gente, fumo, gases putrefactos, fétidos, ideias podres. as mesmas angústias. era a mesma procura da ideia, e já tinham passado meses, mas a procura continuava, nas mesmas ruas, os mesmos passos, vazios até de angústias. foi aí que, numa esquina, se deparou com um trio barroco, interpretando um andamento lento de uma sonata a tre. e o nevoeiro descia, compassado, na pulsação dolente e imprecisa. e o mundo inteiro girava nesse compasso indeciso, e tudo era névoa, assim dizia o último poeta. e disse mais. que, se voltassem a interromper-lhe a sesta, ía haver um golpe de estado, daqueles que são possíveis em sítios com estado. e, assim, com a descida do nevoeiro, se condensava a grande ideia desesperadamente procurada. dias de nevoeiro são o que são, névoa, dúvida, mistério. invariavelmente, dias de nevoeiro, daqueles que já escassam, neste março de dois mil e seis.

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a vaca preta

A vaca preta

Talvez pareça bizarro, mas este meu amigo tinha o quarto dele ao contrário. Ele é costume, em algumas aldeias, ter a corte dos animais por baixo dos quartos, que assim vai passando o calor pelo soalho. Este meu amigo tinha tudo ao contrário, o seu quarto estava por baixo da corte, imagine-se.

Cansado da canseira do quotidiano, em chegando a casa bebia para esquecer que estava cansado de nada, de realizar nada. Aproveitava então para ouvir o ritmo desordenado dos cascos da vaca preta. Esta vaca até era branca, mas tinha-se dado o caso de ter um caso com um bode preto, donde surgiu uma cabra preta que era parecida com a vaca.

Os cascos íam e vinham a diferentes velocidades para trás e para diante lá em cima na corte. O meu amigo cismava no cansaço da canseira, em como seria bom ter aquilo insonorizado, como num estúdio de gravação. Ou então pôr um altifalante no tecto a emitir ultra e infra sons para fazer explodir o cérebro àqueles quadrúpedes.

Pelas frinchas do soalho pingava bosta, por vezes. O meu amigo acordou uma vez a meio da noite aos beijos a um poio. Mas se calhar sonhou. O gado movimentava-se lá em cima. A vaca para trás e para diante, a cabra aos pulos de vez em quando, o bode a marcar a pulsação de um reggae. Era uma festa.

Na impossibilidade de uma qualquer solução o meu amigo foi-se adaptando àquele esfocinhar no chão, coisa de que nunca percebeu bem a utilidade, era como se andasse constantemente uma cadeira a arrastar-se nas traves de madeira. Havia uns grunhidos espaçados e estranhos enquanto a bosta passava lentamente pelas frestas. As paredes estavam castanhas e cinzentas e aquela humidade dava para fazer uma horta.

Este meu amigo tinha o quarto ao contrário e tudo parecia indicar que assim continuasse, as batidas inconsequentes dos cascos, o esfocinhar misterioso no soalho, a dúvida persistente da origem daquele gado e a resignação a mais altos desígnios.

Manuel Guimarães