quinta-feira, janeiro 28, 2016

Miroslav



            É sempre qualquer coisa relacionada com folha branca e um primeiro encontro sonoro com o contrabaixista Miroslav Vitous. Ladislav, idealista indiano a tocar contrabaixo, apesar do nome sugerir outra coisa, neste momento ficou indiano, a tocar uns temas em quarteto, ele, o piano e a bateria. Era quarteto porque, de vez em quando, ele fazia uns vocalizos estranhos. Parece que o homem da gaita não tinha aparecido nesse dia.
            Ladislav, sou Ladislav, nasci em Bombaim numa noite de Inverno em que as portas se fechavam como medos por causa dos disparos. Por isso não me censuro quando as estrelas se alinham no Penedo do Lobo, porque a contracção do pensado com o real é acaso, puro e mero acaso, ordem rigorosamente determinada pelo acaso rigoroso.
            Não sei se me estão a ver de boné, a gola do casaco de fazenda levantada, o ar cinzento na face rosada de tinto, um bafo de baixas temperaturas perdido no nevoeiro.
            Ora aqui estamos nós numa ponte. Não é muito alta. Parece daquelas pontes sobre o Sena. O protagonista lança-se em perseguição de si mesmo, correndo pelas ruas mal iluminadas, após ter roubado as toalhas do hotel. Continua com o boné e o casaco cinzento.
            Sou Miroslav, Ladislav, o que quiserem, mas lavem-me a alma, que eu não quero ver fugir o vento. Já me quiseram impingir um espírito de sino, até me disseram que a vida tem cadência de badalo, mas não quis confundir a aldeia.

            Talvez seja por isso que bebo regularmente, como se cumprisse uma pena oculta, um castigo desconhecido de um crime imaginário. Provavelmente sou culpado. Culpado de sonhar, de ouvir minuetos de Beethoven e outras peças a três por quatro.