sexta-feira, fevereiro 05, 2021
quarta-feira, junho 14, 2017
quinta-feira, janeiro 26, 2017
quinta-feira, janeiro 28, 2016
Pensador
Esta a história do
pensador que admitia não conhecer os seus princípios, mas saber que lhes obedecia. Um asceta,
meditando à hora de Horus, deus das horas divinas e outras. Um espírito
universal capaz de todas as religiões. São deuses egípcios que lhe assaltam as
células a meio da tarde, a transmigração das almas, Empédocles lembrava-se de
ter sido peixe e alga, sem dúvida possuidor de uma memória milenar!
Apareceu como uma nebulosa
nas catacumbas do espírito, metamorfose cascavel subindo o rio. Aparentemente
tudo fazia ainda parte do sistema solar. Chegaram a dizer-lhe que se calasse,
que estivesse quieto, mudo, que as aves ainda cantavam, mas que essa noite
seria diferente. Não entraria por essa porta porque aberta. A delícia do
desconhecido é uma porta fechada.
O seu mundo é feito de
esferas verdes, tanto quanto possível do seu amor à natureza, mesmo quando ela
se trabalha de sol a sol. Corpo feito instrumento, carne queimada, tudo por um
quinhão de existência, vida. Eles não querem de cultura, porque nunca ócio,
nunca tédio, eles é que sabem do gosto de ser. Afinal são os donos das
primeiras essências, que se o homem tivesse ficado a pensar tinha morrido à
fome!
Mas isso foi há mais de
muitos anos. Nada mais que latidos na madrugada, saudade do silêncio, asfixia
citadina em nebulosas sensações esféricas, qual cão teimando em apanhar o rabo.
Maio, Maio azul ou parcial, rimoso, enlodoado como os seus dias.
A razão inquisidora
aprofunda os campos férteis do medo às instituições. Nisso havia lucro daquele
fácil, de todo o tipo de colónias. A razão dos campos férteis do medo. Quantos
desejaram nunca ter nascido... Uma balada do oeste, Bob cantava-a de coração,
quando ainda havia coração para cantar baladas. A vida é feita de bocados.
Quando trouxeram o enxota-moscas esqueceram o insecticida. Deitaram-se de manhã
com as últimas estrelas, escreveram canções, pedreiraram ritmos, África, Artaud
e os mexicanos, viajaram no gado, deitando laços. Que o importante era pensar
em grande, mas nunca teria metade do Minheu.
_____
Miroslav
É sempre qualquer coisa
relacionada com folha branca e um primeiro encontro sonoro com o contrabaixista
Miroslav Vitous. Ladislav, idealista indiano a tocar contrabaixo, apesar do
nome sugerir outra coisa, neste momento ficou indiano, a tocar uns temas em
quarteto, ele, o piano e a bateria. Era quarteto porque, de vez em quando, ele
fazia uns vocalizos estranhos. Parece que o homem da gaita não tinha aparecido
nesse dia.
Ladislav, sou Ladislav,
nasci em Bombaim numa noite de Inverno em que as portas se fechavam como medos
por causa dos disparos. Por isso não me censuro quando as estrelas se alinham
no Penedo do Lobo, porque a contracção do pensado com o real é acaso, puro e
mero acaso, ordem rigorosamente determinada pelo acaso rigoroso.
Não sei se me estão a ver
de boné, a gola do casaco de fazenda levantada, o ar cinzento na face rosada de
tinto, um bafo de baixas temperaturas perdido no nevoeiro.
Ora aqui estamos nós numa
ponte. Não é muito alta. Parece daquelas pontes sobre o Sena. O protagonista
lança-se em perseguição de si mesmo, correndo pelas ruas mal iluminadas, após
ter roubado as toalhas do hotel. Continua com o boné e o casaco cinzento.
Sou Miroslav, Ladislav, o
que quiserem, mas lavem-me a alma, que eu não quero ver fugir o vento. Já me
quiseram impingir um espírito de sino, até me disseram que a vida tem cadência
de badalo, mas não quis confundir a aldeia.
Talvez seja por isso que
bebo regularmente, como se cumprisse uma pena oculta, um castigo desconhecido
de um crime imaginário. Provavelmente sou culpado. Culpado de sonhar, de ouvir
minuetos de Beethoven e outras peças a três por quatro.
As Razões
Perguntaram-lhe as razões do texto, mas quando
intimam a razão, mesmo quando a desconhecem, hà sempre uma razão oculta pelas
esquinas. São vários corredores existenciais, duplas saidas geométricas,
geometricamente mutáveis, como se falou em poemas longínquos. Perguntaram-lhe a
razão do poema crescendo no centeio, como se fosse possível encontrar a olho nu
o fio condutor racional da arte.
Voltaram
de longe, de onde não se sabe voltar. Chegaram lentamente, várias sombras
trilhavam ecos voláteis. Sombras, mobilidades, procuras cansadas. A enorme
viagem cansada, por montes e vales, colhendo secas e velhas melodias.
Falavam
da noite, dos nocturnos acordes da noite, florestando imagens de um cataclismo.
O jazz ibérico, metempsicose, um imbróglio de forças metafísicas, unidades de
consciência.
São
espaços penumbra em nuvens cinzento, máscara em que deixaram cair os segredos
um dia, quando o sol sumia no monte. Esqueceram-se de beber o oculto, o culto
do oculto. São marcas de grandes nadas, escombros, uma contínua linha de
pensamento rural encontrada nos diversos fragmentos de um segundo. Espectros
véus na noite, meteorito errante de rota fixa que ninguém entende, ninguém lê.
Sabem
de sombras, cadáveres e outros saberes, sabem de buracos legais onde se
escondem da justiça que habita os mesmos buracos. Procuram o triângulo
esférico, nas horas vagas. Teimam em escrever diálogos neutros e encontram
cidadania no mundo sem endereço, e a europa é uma asfixia satélite, órbita de
enganos, desesperos. Sabem que vão desaparecer mais cedo ou mais tarde, querem
rir de um estilhaço de obuz, noite alta com os lobisomens, querem inventar o
nada magnífico.
Já
só cresce lama na valeta, choro perdido no correr do tempo, nevoeiro cerrado
entre espinhos de sangue.
Somos
nome, nome de pedra afastada no caminho, nome de sonho de Verão perdido por
entre sete caminhos, distância de muro, pedra outra vez.
bosque
se o vissem nesse dia,
diriam que podia ser um personagem medieval, caminhando alegre pelo bosque, a
assobiar uma melodia campestre. parou frente a um velho castanheiro, cujo
tronco parecia uma cabana em decomposição, e acendeu um charuto. entrou. por
entre teias de aranha e dezenas de colónias de pequenos bichinhos foi andando.
primeiro às voltas, e depois em frente. lá ao fundo não devia estar uma fada?
a figura move-se pela
vegetação. não procura nada, nenhuma direcção. move-se apenas. e conclui que,
apesar de tudo, a única coisa que resta, a única coisa que importa, é ir.
por entre a folhagem
vária, a figura move-se. o seu movimento é circunspecto, atento à
multiplicidade de sons circundantes, nem que fosse apenas para usar estas
figuras gramaticais.
crê conseguir pintar a
realidade com palavras, mas será difícil. a realidade não se dilui nas sílabas,
nem no significante. a realidade está no momento, apenas no momento.
sabe, eu desenho formas
muito estranhas. até já pensei tratar-me, mas não me consta que haja
tratamento. desde que entrei naquele castanheiro que tenho tido uns sintomas
muito estranhos. uns zumbidos, de vez em quando, um som muito agudo só num
ouvido outras vezes, até parece que ondas cósmicas estão a comunicar, e, se calhar,
até é. e, que diz o poeta?
o poeta diz: eu sei das
essências, mas ninguém me ouve. Baco dizia, nas horas vagas que eram poucas,
que ninguém o ouvia, ninguém o levava a sério. a turba berrava por coisas que
não sabia, e assim se faziam eleições, com a turba ébria de ignorância. a turba
usa turbante, constata o poeta.
naquele pátio, em cima de
um escadote, o Quim tirava uma fotografia. vê-se, pela sombra no chão e na
parede granítica da casa, que tem uma ramada e árvores. o poeta lê Nietzsche,
Assim falava Zaratustra, o mesmo livro que o meu amigo leu ao gato aqui em
Lisboa. no segundo quadro o poeta escreve no livro, anotações. que é feito
deste exemplar? na terceira página tinha escrito: ópio com coca mais morfa.
estranha composição, tal qual o alcool, o al-kuhul, ser um composto químico,
que é o mesmo que dizer composto etéreo, nada.
a figura move-se pela
vegetação, confunde-se com ela, funde-se nela. o que importa é ir. insinuar-se
na folhagem. a figura dilui-se na vegetação, ela é. e o que importa é ser.
criar energia inútil para a inutilidade cósmica.
e subiu o monte, e apanhou
a chuva que lá em cima era já neve. não queria saber de dúvidas, nem de
indecisões, apenas queria sair do cinzento. e foi assim que subiu o monte, e
apanhou a chuva que era neve, e o granizo que era máquina, e o planeta que era
febre. e pensou: eu sei das essências, mas ninguém me ouve. somos tão
intragáveis que nem os vermes nos vão querer, mas havemos de ir por aí em
naves, e vamos infectar o cosmos inteiro, se é que ele é inteiro.
a figura move-se pela
vegetação e diz: hoje é domingo e só se devia ouvir orgão de tubos, porque, no
meu dialecto, domingo quer dizer orgão de tubos. o domingo é o dia em que o
grande orgão faz vibrar os seus magníficos tubos, seja ele pâncreas, fígado ou
intestinos.
e passaram vários
domingos, vários orgãos, vários tubos. e a figura continuou a mover-se pela
vegetação, a brisa fazia-a ondular lentamente, um sopro sussurrante carregado
de segredos milenares. e disse, nada será como dantes, os ossos manifestam-se.
o vazio de ser participa da composição do ar. onde está o ar? perguntava,
enquanto examinava os tubos da gaita de foles escocesa.
a figura move-se na
vegetação e usa uma escala de doze sons, por isso saltita alegremente de
folhagem em folhagem, de ramagem em ramagem, de almimagem em almimagem, e diz:
nada do que parece, é.
sábado, janeiro 23, 2016
A andar
Bom, a principio, parecia
ser apenas um solitário caminhar pelas ruas de Lisboa, mas a pouco e pouco foi
sofrendo alterações. O envolvimento dos sons citadinos, a atmosfera estranha,
feita de gases automobilísticos e outros, tudo isso foi sugerindo ideias. Era
sempre assim, tudo começava por um simples sair à rua, mas pouco depois
apareciam as ideias, pelo passeio, entre gente, muita gente.
A altura dos prédios não
permite que se veja bem o céu. Não é como lá em cima, onde o contacto visual
com o tecto do mundo é permanente, tão permanente que nem é possível pensar que
seja de outro modo. É preciso chegar aqui, à cidade, para ver que afinal há muito quem consiga viver uma vida sem ver o céu.
Imaginar este mundo sem
som, em silêncio. Aí está uma das ideias que aparecia com frequência. Depois
havia aquela tendência para fotografar o rosto da gente que passa, um retrato
interior, imediato, com uma hipótese lógica para, por exemplo, o argumento de
um filme. E tudo começava por um simples sair à rua.
Chegar pode ser adiar, ou
descobrir que o tempo anda trocado, incluindo as massas de ar, a chuva e o sol.
Não se vislumbra sequência qualquer no bom sentido. Se calhar é resultado de um
pessimismo entranhado como o fumo, uma estranha saudade do abismo.
São estes sons que lembram
ausência de infinito. Tudo isto parece fazer parte de um argumento mal
amanhado. Onde é que isto leva? Em que linhas se move aquilo que chamamos
destino? Tudo isto faz lembrar um mundo de formigas, impaciente e cego.
O passeio solitário
transformou-se em progressão do quotidiano. Passaram muitos dias. Parece que
passaram anos, séculos, tanto tempo que até dá pena ver como se perdeu.
Mas o corpo ainda anda,
por isso cá estamos e ainda por cima perdidos nos tempos verbais. Há ainda uma
história de um telemóvel, imagine-se, que ficou à espera de uma mensagem dentro
do porta-luvas e umas baladas pela madrugada.
Entretanto, imagine-se, um
outro telemóvel aparece no meio de tudo isto, e ainda uma carta, e uma vontade
de largar tudo e deitar a correr pelo monte fora. Afinal ainda é possível
escrever, mesmo com as costas doridas e o coração ausente, sempre ausente
daquilo que escreve. Lisboa e a chuva. O trânsito do costume, a vaca preta, a
semana habitual trespassada por uma sessão de cinema e um possível concerto de
Kurtág, Webern e mais não sei quem. Afinal ainda é possível escrever, mesmo com
as costas doridas e o coração ausente.
A vaca preta
Talvez
pareça bizarro, mas este meu amigo tinha o quarto dele ao contrário. Ele é
costume, em algumas aldeias, ter a corte dos animais por baixo dos quartos, que
assim vai passando o calor pelo soalho. Este meu amigo tinha tudo ao contrário,
o seu quarto estava por baixo da corte, imagine-se.
Cansado
da canseira do quotidiano, em chegando a casa bebia para esquecer que estava
cansado de nada, de realizar nada. Aproveitava então para ouvir o ritmo
desordenado dos cascos da vaca preta. Esta vaca até era branca, mas tinha-se
dado o caso de ter um caso com um bode preto, donde surgiu uma cabra preta que
era parecida com a vaca.
Os
cascos iam e vinham a diferentes velocidades para trás e para diante lá em cima
na corte. O meu amigo cismava no cansaço da canseira, em como seria bom ter
aquilo insonorizado, como num estúdio de gravação. Ou então pôr um altifalante
no tecto a emitir ultra e infra sons para fazer explodir o cérebro àqueles
quadrúpedes.
Pelas
frinchas do soalho pingava bosta, por vezes. O meu amigo acordou uma vez a meio
da noite aos beijos a um poio. Mas se calhar sonhou. O gado movimentava-se lá
em cima. A vaca para trás e para diante, a cabra aos pulos de vez em quando, o
bode a marcar a pulsação de um reggae. Era uma festa.
Na
impossibilidade de uma qualquer solução o meu amigo foi-se adaptando àquele
esfocinhar no chão, coisa de que nunca
percebeu bem a utilidade, era como se andasse constantemente uma cadeira a
arrastar-se nas traves de madeira. Havia
uns grunhidos espaçados e estranhos enquanto a bosta passava lentamente pelas
frestas. As paredes estavam castanhas e cinzentas e aquela humidade dava para
fazer uma horta.
Este
meu amigo tinha o quarto ao contrário e tudo parecia indicar que assim
continuasse, as batidas inconsequentes dos cascos, o esfocinhar misterioso no
soalho, a dúvida persistente da origem daquele gado e a resignação a mais altos
desígnios.
Exodo Rural
Somos energia, com forma, talvez, mas essencialmente energia. Durante
horas, em Arcossó, discutiu-se a hipótese de não sermos mais do que pontos de
luz, parecidos com estrelas. E convém ouvir Ligeti, a Lux Aeterna, enquanto se
pensa nisso.
Estão três marcianos
dentro de um ponto de luz. Cada um deles é, também, um ponto de luz e estão a
analisar a conversa de três humanóides, que estão a pôr a hipótese de ser
apenas três pontos de luz. São três pontos de energia que escutam três pontos
de energia que põem, seriamente, a hipótese de ser apenas três pontos de
energia. Uma valente ficha tripla.
E lá vinha a nave,
silenciosa, obedecendo a todos os sinais de trânsito. Lá vinha a nave, com o
guitarrista, a bailarina, as três crianças e o Martinho, mais a guitarra, as
malas dos livros e a roupa.
Os marcianos estão
perplexos. Mas que é isto? Alguém se interroga, seriamente, sobre as primeiras
interrogações. Nada o faria prever.
Ás vezes, é complicado
programar uma boa rota de férias. Ele há gente com mais capacidade para isso.
Confesso que esta não lembra facilmente.
Temos um carro. Comercial.
Dois lugares e rede. O condutor leva a guitarra, duas pastas carregadas de
livros, mais a mala da roupa. A companheira tem a sua bagagem necessária, uma
criança no ventre, mais outras três, que vão deitadas em cima dos sacos, mais a
bagagem delas todas. Ainda falta o Martinho, cão corpulento e idoso que também
tem que ir.
“Tem que ir. Sem o
Martinho não vou. Vamos de noite, que é para a polícia não nos multar”. E foram.
Bolero Midas
Chamo-me
Midas, Bolero Midas, mas não transformo em ouro tudo o que toco porque sou
bastardo do antigo rei. Quando muito tudo o que toco fica em trampa. Ando pelas
ruas com o olhar vago e indefinido, tal qual as intenções. A minha intencionalidade
resume-se ao desejo de vir a possuir uma alma. Como se vê, contento-me com
pouco. Apesar de não transformar tudo o que toco em ouro tenho sempre a
sensação de que isso pode acontecer em qualquer momento, assim eu tivesse a
alma que procuro.
Por
vezes confundem-me com bolero, mas pouco percebo disso, ou mesmo nada, que é o
facto. Abundam em mim as persistências, abro dois e três buracos na parede com
a cabeça. Não desisto assim facilmente e foi por isso que me propuz entrar
nesta narrativa.
Se
pudesse voar era corvo para não ferir susceptibilidades e não passar
despercebido. A única coisa que me ficou foi a vontade de não ser ignorado,
poder cavar a minha tumba e receber um nome. Já existo assim mesmo, mas não sei
pegar numa pá.
Possuo
uma coleção bizarra de rolos de papel higiénico de várias nacionalidades. Por
vezes peço-os à cobrança pelo correio. É realmente espantoso como se torna
possível conhecer mundo pelo papel higiénico, talvez melhor que pelos selos,
uma vez que revela tendências mais intimas.
Imagino
o que seja voar, mas o meu lado humano esconde-se de tal façanha, que ele é
mais seguro ter os pés em terra, a não ser que seja corvo em ponto de chaminé.
Sou
mais um espectro desta atmosfera surrealista e não me surpreendo em raciocínio de
trincheira, mas aquela garrafa de bolso significa o regresso momentâneo ao
balcão do Sam. Por vezes tenho espírito de tatuagem marinheira num balde, mas
quando fumegam estrelas o seco solo da terra pronuncia meu nome em sussurro,
como se isso fosse possível! Sou, na realidade, um estudo. Um estudo das
diversas formas de encarar prismas de eloquência.
Fui
marinheiro, embora a liquidez dos meus pensamentos aquáticos tenha sido sempre
terrena de raiz. Com certos encantos geométricos pressinto-me possuidor de
alguns desígnios clássicos, apesar de isentos de máximos de consciência
possível. Ainda se ouviam risos aritméticos no vale já eu pedregulhava nas
margens deliciosas do rio.
Ao almoço
Pouco depois de entrar
indicaram-lhes a mesa, entre grande confusão de pernas, gente, cadeiras, mais
pernas movimentando-se, cotoveladas, pequenos encontrões. Já não se lembrava de
quem lhe indicara aquele restaurante, mas, fosse quem fosse, tinha-lhe dito
para não levar crianças. Passaram uns sujeitos com uns fardos de palha, para a
cerveja e o whisky, disseram, e mais uns outros com umas panelas de lúpulo. De
vez em quando corriam uns animais, coelhos, galinhas, bezerros, sempre
perseguidos a alta velocidade por cozinheiros de facas e machados na mão.
Vinham atrás uns tipos com uns alguidares, provavelmente para amparar o sangue.
Foi aqui que começou a história do porco...
Alguém se lembrou de pedir rojões. De repente apareceu um porco a fugir por
entre as mesas, com o cozinheiro de grande facalhão atrás. Zás! Espetou-lhe
certeiro entre a quarta e a quinta costela, mas parece que devia ter sido entre
a sexta e a quinta. Vai daí o porco não tombou redondo à primeira, fugiu cheio
de sangue. O tipo do alguidar ia fazendo pontaria inutilmente... “Porra, vê lá
se acertas no gajo!” O cozinheiro espetou outra vez. O reco tombou redondo e o
tipo do alguidar foi aviando o povo que tinha pedido sarrabulho. De qualquer
modo devia ser sarrabulho instantâneo, porque aquilo não dava tempo para
grandes preparos. Penduraram o porco, de cabeça para baixo, por pouco tempo,
porque alguém pediu a cabeça, e de repente já era difícil dizer em que posição
estava.
A coisa ainda demorou,
porque aviaram primeiro os clientes das febras e das costeletas, e depois os do
pernil, e finalmente os dos rojões. Não se pense que isto foi um processo
pacifico. Além de haver muita gente a reclamar, houve também quem se enojasse e
se tenha vertido abundantemente pelas tripas superiores e inferiores. Andava
sempre gente a correr de um lado para o outro com saquinhos de plástico, mas
depressa apareceram com uns baldes porque não davam vazão. Havia também quem
comesse desalmadamente, com as beiças escorridas de molho e baba, porque aquilo
abria-lhes muito o apetite. Esta gente fazia questão de comer neste restaurante
cuja especialidade eram os túbaros de qualquer quadrúpede desgraçado que ali
aparecesse.
terça-feira, novembro 24, 2015
quinta-feira, junho 05, 2014
quarta-feira, outubro 02, 2013
quinta-feira, março 28, 2013
quinta-feira, março 21, 2013
quinta-feira, fevereiro 28, 2013
Há vários exemplos de construção de novos instrumentos no início do século XX. Sem pretender estabelecer qualquer critério de relevância, será importante referir: Thadeus Cahill que, em 1906, apresentou o Telharmonium, também conhecido por Dynamophone, um instrumento electro mecânico, com teclado e possibilidade de imitação de sons orquestrais, criado antes da amplificação sonora. Luigi Russolo inventou o Intonarumori, em 1913, que era composto por geradores acústicos de sons que permitiam criar e controlar a dinâmica e a altura de diferentes tipos de sons. Leon Theremin criou um instrumento eletrónico que ficou conhecido como Theremin, em 1920, a partir do desenvolvimento de métodos de medição de oscilação de alta frequência elétrica. Colaborou com Henry Cowell, em 1930, na criação do Rhythmicon, ou Polyrhythmophone, um teclado capaz de produzir notas em ritmos periódicos proporcionais à série dos harmónicos de um som fundamental escolhido. Maurice Martenot, em 1928, criou um instrumento que foi denominado Ondas Martenot, ou Ondium Martenot, cujo som é produzido pela variação de frequência da oscilação em tubos de vácuo (Dunn 1992).
quarta-feira, janeiro 30, 2013
Adega Ensemble
Julien Heraud
Improv Spheremardi 29 janvier 2013 ILSE
Adega Ensemble - Black van in a small square (Ilse, 2012)
L'Adega Ensemble regroupe sept instrumentistes originaires du Portugal et du Brésil. Henry Krutzen (saxophone ténor, objets), João Parrinha (batterie, percussions), João Pedro Viegas (clarinette basse), Luís Vicente (trompette, objets), Manuel Guimarães (guitare), Paulo Chagas (flûte, hautbois, clarinette sopranino) et Paulo Curado (flûte, saxophones soprano et alto). Dans ces chroniques, j'essaye toujours d'éviter les comparaisons au maximum, mais là je ne peux pas m'en empêcher. On croirait même à un hommage parfois. Car si l'Adega Ensemble ressemble à quelque chose, c'est sans aucun doute à l'Art Ensemble of Chicago. Une profusion de soufflants et de percussions, l'utilisation d'idiophones traditionnels, une liberté totale et un jeu hallucinant de questions et de réponses dans les improvisations collectives, c'est peut-être moins axé sur les influences et les rythmiques africaines que l'AEOC, mais la part de jazz est tout aussi présente, de même que la volonté de briser tabous et codes. Black van... regroupe quatre improvisations d'environ un quart d'heure chacune, quatre improvisations où tout peut surgir, quatre improvisations où les personnalités ne s'effacent jamais tout en étant à l'écoute d'un son collectif épais et consistant. C'est très énergique, très puissant souvent, l'improvisation collective est omniprésente, mais l'espace est rarement saturé: les sept musiciens savent jouer simultanément sans jamais se marcher dessus. L'équilibre entre les voix individuelles et le son collectif est plutôt impressionnant (ce qui rapproche encore cet ensemble de l'AEOC).Quatre improvisations totalement acoustiques, dans une veine très proche du free jazz afro-américain, osées et inventives, fraîches et spontanées, énergiques, puissantes et plaisantes. L'Adega Ensemble renoue ici avec une longue tradition musicale aux aspects rituels, collectifs, et humains.
quinta-feira, janeiro 24, 2013
Steve Lacy: “Mas penso que a figura chave era Don Cherry. Cherry are ainda mais free, de um certo modo. Não se preocupava com as coisas que Ornette se preocupava, e a sua forma de tocar era realmente free. Costumava vir a minha casa em 59 e 60, e costumava dizer-me – bom, vamos tocar. E eu dizia – o que vamos tocar? E aí estava. O dilema. O problema. Era um momento terrível. Não sabia o que fazer. E levou-me à volta de cinco anos a preparar-me para isso. A partir esse muro. Levou-me cinco anos a chegar ao ponto em que conseguia apenas tocar" (Bailey 1992).
Steve Lacy: “O que Cecil Taylor fazia começou nos inícios dos anos 50. E o resultado era do mais livre que se podia ouvir. Mas não era feito de forma livre. Era construído sistematicamente com um novo ouvido e novos valores. Mas havia grande oposição ao que fazia nos anos 50. Quando Ornette chegou à cidade foi a lufada de ar fresco. Por um lado havia os músicos académicos, os hard boppers, os “Blue-Note”, os “Prestige”, e estavam a fazer coisas com poucas tendências progressivas. Mas quando Ornette apareceu, foi o fim das teorias, destruiu as teorias. Lembro-me de ele ter dito nessa altura: “Bom, tu tens um certo espaço, e pões lá dentro o que quiseres.” E isso foi uma revelação. E costumávamos ir ouvi-lo e ao Don Cherry todas as noites, e isso provocou uma sede de mais liberdade" (Bailey 1992).
A palavra improvisação é pouco usada, actualmente, por músicos improvisadores. Improvisadores idiomáticos, quando descrevem o que tocam, usam o nome do idioma. Tocam “flamenco”, ou “jazz”. Há uma certa relutância em usar a palavra e alguns improvisadores expressam alguma antipatia por ela. Penso que isso se deve a conotações amplamente aceites que implicam que improvisação seja qualquer coisa sem preparação e sem reflexão, uma actividade completamente ad hoc, inconsequente e frívola, com falta de método e planificação. Os improvisadores contestam esta implicação porque sabem pela sua experiência que isso é falso. Sabem que não há outra actividade musical que exija maior habilidade, destreza, devoção, preparação, treino e compromisso. Por isso rejeitam a palavra, e mostram relutância em serem identificados por aquilo que, em alguns casos, se tornou quase um termo de abuso. Reconhecem que, de uma maneira geral, deturpa completamente o fundo e complexidade do seu trabalho (Bailey 1992).
quinta-feira, janeiro 03, 2013
Poema do Gustavo
O timbre é a luz do som, a iluminação sonora de um concerto está para a música
como as estrelas para as tetas de uma ovelha
O anjo de pedra soergue-se do cemitério, as alminhas resplandecem
de flores, as colmeias de queijo e de sais zumbem mel de sírios
Aos Pitões, à cascata de Celas, à Pardelca? de rios A síncopes de silêncio, Aos montes, aos gatos, aos bichos
Salte as cancelas de pedra. Leiam? os muros ausentes
Que todos os filhos toquem os sinos, que todos os sinos toquem (---)
Vivam as bruxas cor de laranja e o encanto das suas princesas
Viva o vinho dos encantos, as mandrágoras do amor, as raízes ao vento
de um ser
As freirinhas do convento que fazem doces para entreter o tempo
Vivam os putos lindos, os pais as mães e as outras, os amigos que vivam
de vivas viras
Velas a vapor, incensos, teatros de dor, champanhe
ah, caralho, que o amor vive (...)
Gustavo Brandão
O timbre é a luz do som, a iluminação sonora de um concerto está para a música
como as estrelas para as tetas de uma ovelha
O anjo de pedra soergue-se do cemitério, as alminhas resplandecem
de flores, as colmeias de queijo e de sais zumbem mel de sírios
Aos Pitões, à cascata de Celas, à Pardelca? de rios A síncopes de silêncio, Aos montes, aos gatos, aos bichos
Salte as cancelas de pedra. Leiam? os muros ausentes
Que todos os filhos toquem os sinos, que todos os sinos toquem (---)
Vivam as bruxas cor de laranja e o encanto das suas princesas
Viva o vinho dos encantos, as mandrágoras do amor, as raízes ao vento
de um ser
As freirinhas do convento que fazem doces para entreter o tempo
Vivam os putos lindos, os pais as mães e as outras, os amigos que vivam
de vivas viras
Velas a vapor, incensos, teatros de dor, champanhe
ah, caralho, que o amor vive (...)
Gustavo Brandão